O MST debaixo de bala
Sei não, pode até ser que esteja enganada.
Mas, toda essa história de destruição de fazendas pelo MST, da forma como vem sendo noticiada pela imprensa, me parece muito, mas muito esquisita.
As fotos, é verdade, são impressionantes – e até parecem feitas justamente para isto: chocar.
Mas, entre a impressão que nos causam e a responsabilidade do MST há ENOOOORRRME distância.
O que mais chama a atenção, em primeiro lugar, é versão dos donos de terra.
Segundo eles, integrantes do MST “encapuzados” teriam invadido as fazendas, apenas, para aterrorizar: como que incorporados de algum capeta, desataram a destruir casas, tratores, plantações e até a ameaçar velhos, mulheres e crianças.
É estranho isso.
Porque o tipo de ação relatada lembra muito mais é o modus operandi dos donos de terra.
São esses senhores feudais, a “vanguarda do atraso” deste país, que costumam mandar invadir acampamentos de sem-terra e propriedades de pequenos agricultores, para destruir, torturar e matar.
São esses senhores feudais que mantêm milícias armadas, jagunços e pistoleiros, com a finalidade de aterrorizar gente indefesa – velhos, mulheres, crianças.
E isso não é novidade alguma: toda pessoa razoavelmente informada deste país e, especialmente, desta região, sabe de todo o horror protagonizado por esses “donos de terra”, muitos deles, em verdade, simples grileiros, simples bandidos de colarinho branco.
Não são poucos os mortos da luta pela terra – e, na maioria esmagadora dos casos, agricultores, religiosos, jornalistas, advogados, pessoas que se opuseram a essa pilantragem endinheirada.
Uns pilantras tão repugnantes que até escravos mantêm – e mais manteriam, não fosse a ação do Estado contra esse tipo de prática.
Nestes 30 anos de jornalismo, já ouvi declarações desses sujeitos de deixar a gente de cabelo em pé.
Muitos deles revoltados com as exigências da Justiça do Trabalho, porque consideram que podem tratar seus empregados pior do que bicho; pior que o gado que mantêm em suas fazendas.
Muitos deles a considerar que basta dar um prato de comida, de babugem, a esses trabalhadores, para que possam se tornar os melhores patrões do mundo.
Reconheço no MST enorme importância histórica: neste país dominado pelo latifúndio; nesta Amazônia cuja história foi escrita à bala, governo nenhum faz reforma agrária se não tiver um grupo organizado a pressioná-lo.
No entanto, já há alguns anos, divirjo dos métodos do MST – especialmente daquelas ocupações de prédios públicos e de agências bancárias.
E até dessa visão equivocada de achar que todo empregado mal remunerado da periferia das cidades pode retornar ao campo, depois de décadas, e se tornar um bom agricultor.
Mas, daí a transformar os integrantes do MST em simples bandidos e os donos de terra em “coitadinhos” vai enorme diferença.
Em boa parte dos casos, se a gente espremer a história desses “respeitáveis” senhores, vai é faltar detergente para limpar o sangue.
E o sangue – esse sim – de muita gente inocente.
II
Há sete meses, em abril deste ano, os grandes veículos de comunicação do país divulgaram amplamente uma farsa montada pelos donos de terra: aquela história vergonhosa da utilização de jornalistas como “escudos humanos”, pelo MST.
Na mesma época, a senadora Kátia Abreu, do DEM, presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), pedia intervenção federal no Pará, sob a alegação de que o Governo do Estado não cumpre as reintegrações de posse determinadas pela Justiça.
E embora que muitas das “propriedades” defendidas como legítimas pela senadora – como é o caso de fazendas do banqueiro Daniel Dantas - tenham sido obtidas na base da grilagem de terras públicas – ou seja, caríssimo leitor, na base do roubo de um patrimônio que pertence, em verdade, a você, a mim, a todos nós.
Agora, há uma semana ou duas, a bancada ruralista conseguiu instalar uma CPI, no Congresso Nacional, para investigar o MST.
E, novamente por “mera coincidência”, o MST é colocado debaixo de bala, pela mídia e pelos donos de terra, com a divulgação de “fatos estarrecedores”: a “sanha” destruidora de fazendas e as ameaças a pessoas indefesas.
Por isso, fui aos arquivos do Quinta Emenda, do finado e inesquecível Juvêncio Arruda, para refrescar a memória coletiva:
“Farsa Desmontada (24/04/2009 )
No
blog do Hiroshi Bogéa, sob o título Mentira tem perna curta.Miguel Cunha, Delegado de Polícia de Interior, acaba de ouvir o depoimento do repórter Victor Haor, da TV Liberal. Em essência, o rapaz desmente a versão de que os repórteres levados em uma aeronave do banqueiro Daniel Dantas para a fazenda Espírito Santo tenham sido usados como escudos pelos sem-terra, durante confronto a tiros com seguranças do Grupo Santa Bárbara.Outra versão desmantelada pelo repórter, a de que a mesma equipe tenha ficado em cárcere privado.Victor Haor disse que só entrou na aeronave depois de ter sido autorizado a cumprir a "pauta" pela Chefe de Reportagem da TV Liberal, Lene Andrade.----Desculpem, mas eu tinha que voltar antes do previsto.A confissão do repórter Victor Haor, da TV IVCezal, confirma as notícias que Hiroshi Bogéa antecipou às 10:00 da manhã de hoje.Haor e seus comparsas foram "escudos de Dantas".E em cárcere privado ficou quem acreditou na mídia dantesca.O episódio mostra que nem todo mundo voa neste país.Amanhã a gente se vê”.
E tem mais este post do Juvêncio Arruda:
“Correndo o Mundo (25.04.2009)”
O poster conversou agora de manhã com o jornalista Hiroshi Bogéa, ainda impressionado com o depoimento do repórter Victor Haor que na tarde de ontem confessou ao Delegado de Polícia do Interior, Miguel Cunha, a farsa de que a equipe da TV IVCezal teria sido "escudo humano" do MST e sofrido "cárcere privado" dos sem terra. Haor disse que cumpria ordens.
Hiroshi, com mais de trinta anos de experiência na profissão, assistiu ao vídeo que mostra o conflito e não tem dúvidas: a confissão bate com as imagens.
A farsa é gravíssima, pois induz a opinião pública a formar conceitos que apóiam a grilagem no sul do estado e criminalizam os movimentos sociais, revelando a articulação subterrânea entre a mídia e o crime.
Ontem, a nota da CPT mostrou outra articulação entre os advogados de Dantas e o crime, quando a defesa do banqueiro driblou o TJ.
A edição de hoje do IVCezal nada fala sobre a confissão do repórter. O Diário do Pará idem. Os dois jornais lêem blogs, surrupiam quase que diariamente as postagens sem dar-lhes crédito, e escondem sem o menor pudonor as peripécias em que se envolvem ou criam de forma deliberada, como no caso da fraude contra o IVC, até hoje silenciada pelo Liberal.
A armação correu o mundo. Até o Instituto Prensa y Sociedad, entidade com sede em Lima, foi vítima da farsa e emitiu um alerta mundial sobre os agora desmentidos "cárcere privado" e "escudo humano".
Agora quem vai correr o mundo é a verdade.
----
Não pude aferir as informações do Público. Até o momento, a edição de hoje não chegou na maior banca da capital, a do Alvino, na praça da República".
No mesmo dia 24 de abril, Juvêncio também publicou nota da CPT que ainda hoje é de uma atualidade impressionante. Leia:
“CPT Acusa Dantas de Enganar TJ
Nota da CPT emitida hoje de manhã.
A Agropecuária Santa Bárbara Xinguara S/A enganou o Tribunal de Justiça do Estado do Pará para conseguir uma liminar de reintegração de posse da Fazenda Espírito Santo, localizada nos Municípios de Xinguara e Sapucaia.
A empresa agiu de má-fé ao ingressar com a Ação Judicial na Vara Agrária de Marabá, sendo que o imóvel localiza-se na área de jurisdição da Vara Agrária de Redenção, onde já tramitam duas ações judiciais referentes à Fazenda Espírito Santo: um interdito proibitório, com audiência marcada para o dia 22.06.09 e uma Ação Civil Pública proposta pelo ITERPA, na qual o juiz ordenou o bloqueio das matriculas do imóvel, por suspeita de grilagem. A manobra da Agropecuária Santa Bárbara é ainda mais gritante se considerarmos que a Ação foi proposta durante a ausência da Juíza titular da Vara Agrária de Marabá, tendo sido imediatamente concedida a liminar pela Magistrada de plantão.
Na segunda feira subseqüente, na volta da Juíza Titular, a mesma revogou a liminar e marcou audiência para ouvir a parte autora. A Empresa recorreu para Belém e maliciosamente induziu o Tribunal a erro, declarando que o imóvel dista apenas 105 KM de Marabá, quando na verdade fica a mais de 170 KM.
Assim, o Tribunal de justiça concedeu a liminar, acreditando localizar-se o imóvel no Município de Marabá.Certamente a Agropecuária Santa Bárbara não impetrou a Ação na Vara Agrária de Redenção como prevê a lei, temendo uma decisão negativa, considerando que o Juiz daquela Vara já havia determinado o bloqueio da matrícula da Fazenda Espírito Santo por entender que se trata de terra pública, patrimônio do Estado do Pará.
Não é a primeira vez que fazendeiros da região usam desse estratagema criminoso para obter proveito da justiça. O grupo Quagliato, proprietário da Fazenda Rio Vermelho, próxima à Fazenda Espírito Santo, também usou desse artifício em 2006, ao requerer na Vara Agrária a concessão de liminar alegando que o imóvel encontrava-se ocupado pela MST. A liminar foi deferida e as famílias foram despejadas de outra área, distante mais de 20KM da Fazenda Rio Vermelho.
Mais tarde os advogados dos trabalhadores conseguiram provar que o local do acampamento era terra pública, ilegalmente apropriada pelo grupo Quagliato. A liminar foi suspensa e os agricultores voltaram e continuam acampados no local aguardando serem assentados pelo INCRA.
No caso da Fazenda Espírito Santo, os advogados dos trabalhadores vão ingressar com as medidas legais na Vara Agrária e no Tribunal de Justiça contra a Agropecuária Santa Bárbara. É importante deixar claro que NÃO EXISTE LIMINAR A SER CUMPRIDA NA FAZENDA ESPÍRITO SANTO, e as famílias de lá não vão sair sem ordem judicial.
O que existe é uma liminar, conseguida de forma fraudulenta, para ser cumprida em uma fazenda localizada a 105 km de Marabá, sob jurisdição da Vara Agrária de Marabá, que não se trata da Fazenda Espírito Santo que é situada no Município de Xinguara, sob jurisdição da Vara Agrária de Redenção".
Por fim, deixo aos leitores, duas notícias publicadas, hoje, sobre o episódio mais recente: as fotografias, que, a exemplo do tal escudo humano de jornalistas que não houve, também correm o país.
A primeira é da agência Adital; a segunda, do MST
Eis a da Adital:
“Luta pela terra na Amazônia: uma vez mais impera parcialidade da mídia
Desde ontem a mídia local e os veículos grandalhões, como ironizava o jornalista Sérgio de Souza, sentam a pua no MST do Pará. A parcialidade sobre a cobertura envolvendo a luta pela terra na Amazônia não é invenção desses dias. Vem de velha data, onde a omissão ou ignorância sobre a complexidade da questão serve de moldura.
A refrega envolve o movimento e o tentáculo rural do banqueiro baiano Daniel Dantas, a Agropecuária Santa Bárbara, e uma outra propriedade de tradicional família paulista, os Quagliato.
No caso de Dantas, condenado e indiciado por vários crimes no mercado financeiro, a propriedade é a fazenda Maria Bonita, localizada no município de Eldorado do Carajás, na mesma rodovia do Massacre, a PA 150. A fazenda encontra-se ocupada desde a metade de 2008.
A propriedade foi negociada pela família Mutran, que conforme o estado não poderia ter realizado a comercialização, por se tratar de terras de aforamento. Ou seja, a família tinha o direito de exploração extrativa da castanha, quando ali uma floresta existiu. Por tanto, se trata de terras públicas, que estavam disponíveis para posse apenas para explorar castanhas, árvores que há muito foram derrubadas na área (sem que ninguém tenha denunciado, apesar de ser proibido por lei!)
É a ilegalidade que conforma a maioria das propriedades rurais na Amazônia, em particular no Pará. No primeiro semestre do ano o Ministério Público Federal (MPF) anunciou que 6.102 títulos de terra registrados nos cartórios estaduais são irregulares.
Somados, os papéis representam mais de 110 milhões de hectares, quase um Pará a mais, em áreas possivelmente griladas. Os dados resultam de três anos de pesquisa dos órgãos ligados à questão fundiária no estado, através da Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem (Tribunal de Justiça, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Advocacia Geral da União, Ordem dos Advogados do Brasil, Federação dos Trabalhadores na Agricultura, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos Comissão Pastoral da Terra e a Federação da Agricultura do Estado do Pará). O documento foi apresentado no dia 30 de abril no auditório do MPF em Belém.
Desde 2006 o MST ocupa a fazenda Rio Vermelho, no município de Sapucaia, sudeste do Pará. O Grupo Quagliato, dono da Empresa Agropecuária QUAMASA- Quagliato da Amazônia Agropecuária S/A, detinha três fazendas na região, e era dona da Usina São Luiz S/A. Em Ourinhos, São Paulo, o Quagliato, processava açúcar e álcool
Em junho de 2009 o MPF e o IBAMA anunciaram multas robustas contra fazendeiros e frigoríficos por animarem a devastação na Amazônia. A maior indenização refere-se ao caso da fazenda Rio Vermelho, da família Quagliato, em Sapucaia, que pode ter que pagar mais de R$ 375 milhões. O mesmo caso vale a outra fazenda de Daniel Dantas, no município de Xinguara, a Espírito Santo, que deve pagar multa de R$ 142 milhões. Além de crime ambiental a fazenda registrou a prática de trabalho escravo.
Tudo isso, se aplicado a Constituição constitui condição de não cumprimento da função social e por tanto deveria ser desapropriada pelo estado”.
E aqui está a notícia do site do MST (
http://www.mst.org.br/ ):
"Sem Terra continuam jornada de lutas no Pará
O MST do Pará continua a jornada de lutas contra a lentidão do processo de Reforma Agrária, pelo assentamento das 2 mil famílias acampadas no estado e por obras de infra-estrutura nos assentamentos antigos.
Os protestos denunciam o uso de milícias armadas pelo latifúndio e defende a agilização da retomada de terras griladas. "A retomada das terras griladas está parada e os latifundiários estão utilizando milícias armadas para intimidar as famílias Sem Terra", denuncia integrante da coordenação nacional do MST, Maria Raimunda César.
Nesta quinta-feira (5/11), mais de mil famílias chegaram ao acampamento na Curva do S, palco do Massacre de Eldorado dos Carajás. Os Sem Terra devem permanecer até dia 13 de novembro no local, quando terminarem as negociações com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Cerca de 400 Sem Terra fizeram um protesto na estrada que liga os municípios de Parauapebas e Canaã dos Carajás para cobrar a retomada de áreas griladas na região.
No município de Tucuruí, cerca de 70 famílias ocupam o Incra em protesto contra a invasão de um assentamento por madeireiros, que estão fazendo o corte de madeira. No começo do ano, o Incra desapropriou a fazenda Piratininga, no município de Tucuruí, que seria organizado no modelo extrativista. Em vez de lotes, as 120 famílias morariam em uma agrovila e trabalhariam de forma coletiva nas terras, por meio de técnicas ecológicas. As terras do assentamento foram invadidas por jagunços armados, a mando de madeireiros, que estão fazendo o corte da madeira e a devastação das terras.
“Estamos cobrando uma atitude das autoridades diante da violência dos madeireiros. As famílias do MST foram obrigadas a sair do assentamento porque não tinham tranqüilidade para trabalhar e para impedir que a culpa do desmatamento recaísse sobre o nosso movimento”, denuncia a integrante da coordenação nacional do MST Maria Raimunda.
No município de Sapucaia, cerca de 250 famílias fizeram um ato na sede da fazenda Rio Vermelho, que tem parte ocupada desde 2006. O Incra fez a vistoria da área no ano passado e concluiu que a terra é da União. Os Sem Terra reivindicam a devolução da área. No momento, as famílias se encontram na beira da estrada e esperam que as autoridades responsáveis agilizem a retomada da terra.
Sobre acusações
O MST do Pará nega as acusações de depredação de duas fazendas ocupadas pelo Movimento nesta quarta-feira (4/11). “Fizemos protestos pacíficos para cobrar a retomada das áreas griladas. Não houve destruição nem depredação. Os latifundiários querem estigmatizar os nossos protestos como violentos para impedir as lutas sociais e manter suas terras griladas”, esclarece Maria Raimunda.
Em relação às fotos divulgadas, a dirigente do MST questiona a autenticidade. “Não há nenhuma garantia de que as famílias do nosso movimento foram responsáveis pelo que está nas fotos nem que foram tiradas depois dos nossos protestos”.
Foi realizado um ato pacífico na sede da Fazenda Maria Bonita (Eldorado dos Carajás), do grupo Santa Bárbara, de propriedade do banqueiro Daniel Dantas. Essa fazenda está ocupada desde julho de 2008 por 450 famílias que cobram a retomada da área que, de acordo com estudo do Iterpa (Instituto de Terras do Pará), é grilada. Depois do ato, as famílias fizeram um protesto na rodovia PA-150.
Na semana passada, quatro pessoas foram sequestradas por milícias armadas financiadas por latifundiários e pelo agronegócio. Nos últimos meses, mais de 18 trabalhadores foram baleados por ações desses grupos. "Essas milícias são clandestinas e atuam no sentido de combater os movimentos sociais do campo e perseguir os trabalhadores acampados”, explica.
( EU AMO A PERERECA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários enseridos neste Bloger são de inteira responsabilidade de quem o faz.